terça-feira, 3 de maio de 2011

Enem e professores


Marco Antônio Silva - Professor de história, doutorando em educação pela UFMG
Em 2009, o ministro Fernando Haddad anunciou que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ocuparia um novo status no sistema educacional brasileiro. Universidades conceituadas como a UFMG curvaram-se rapidamente às solicitações do Ministério da Educação aceitando os resultados do Enem em substituição à primeira etapa do vestibular. Essa modificação no mecanismo de acesso às melhores universidades do país foi sem dúvida um importante passo na reestruturação dos currículos do ensino médio. As provas de vestibulares sempre tiveram peso no tipo de currículo praticado no ensino médio. Para manter bons índices de aprovação, muitas escolas eram forçadas a priorizar o conhecimento acadêmico desprovido de vinculação com as situações sociais, políticas, econômicas e culturais que interferem no cotidiano dos adolescentes. 

O modelo do Enem é compatível com outra abordagem dos conteúdos e do currículo escolar que já está em curso, ou pelo menos deveria, há mais de 20 anos. Desde 1990, representantes de mais de 150 países, inclusive do Brasil, reunidos na Conferência Mundial de Educação de Jomtien, na Tailândia, definiram novos parâmetros para a educação em todo o planeta. Obviamente, um novo paradigma exige uma mudança de concepções e hábitos de professores, gestores e
instituições. Isto inclui os que elaboram os exames de avaliação em massa que parecem ainda estar procurando um caminho mais sólido. Na lógica que orienta a confecção destes exames, que deve ser a mesma que direciona os currículos escolares, o conteúdo acadêmico não tem um fim em si mesmo. Esse conteúdo é tido como uma ferramenta para a compreensão consistente, crítica e coerente da realidade. Em outras palavras, a concepção de ensino alicerçada na memorização descontextualizada de conteúdos vem sendo substituída por testes que exigem dos estudantes um patamar cognitivo mais elevado de conhecimento: o letramento. Trata-se da condição intelectual adquirida por sujeitos que conseguem utilizar a leitura e a escrita de forma eficiente nos mais diversos contextos sociais. O indivíduo letrado não é apenas capaz de ler corretamente palavras e frases com seus acentos e símbolos de pontuação.
Para além disso, sabe utilizar-se da leitura para compreender melhor diversas situações presentes no cotidiano, como interpretar o manual de algum aparelho, uma tabela de voos nos painéis de aeroportos, um artigo jornalístico ou as cláusulas de um contrato. As habilidades de letramento, por sua vez, não são desenvolvidas exclusivamente em língua portuguesa. O letramento em matemática, por 
exemplo, é essencial para auxiliar na interpretação coerente e eficaz da infinidade de números presentes em nosso cotidiano como, as taxas de juros cobradas por instituições de crédito e bancos e os cálculos necessários para o planejamento do orçamento doméstico. 

Em disciplinas como a história, as habilidades de letramento são essenciais para o exercício da cidadania. O conhecimento do passado pode auxiliar na compreensão de inúmeras situações do presente, como o significado da comemoração da Inconfidência Mineira, do Dia do Trabalhado, da Semana da Consciência Negra, além da importância de utilizar a memória para uma escolha consciente dos nossos representantes no Legislativo e Executivo. É legítimo utilizar o Enem para fomentar mudanças na qualidade da educação. Entretanto, não teremos mudanças consideráveis sem investimentos na melhoria das condições de trabalho, remuneração e formação dos professores do ensino básico. Não há outro caminho para que tenhamos uma educação compatível com as necessidades e a grandeza deste país continental. A equipe que há mais de oito anos ocupa o Ministério da Educação precisa estar consciente de que trabalhar nessa direção é a sua verdadeira missão frente à nação brasileira.



Fontes:
Estado de Minas, 03/05/2011 - Belo Horizonte MG 

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